quinta-feira, 13 de agosto de 2015

POSSO FALAR?...




Nascer mulher, pobre, num país de terceiro mundo é dose tripla. E se for no nordeste brasileiro, aí é overdose, crucificação. Tive a oportunidade de conhecer , de perto, a realidade do sertão do Piauí e parte do sertão Pernambucano. Ali o sofrimento é geral. Homens,  crianças, animais, vegetação. Tudo. Mas,  as mulheres... estas são de doer o coração. Além de suportarem suas próprias dores, têm que amparar as dores dos filhos, do marido, dos pais, dos irmãos. São elas o esteio onde todos se apoiam. Cuidam da casa (se é que se pode chamar de casa o lugar onde moram), dos filhos, sem terem o que oferecer. Em condições precárias dormem no chão, em redes, esteiras feitas de folhas de palmeira. Passam, muitas vezes, dias, sem terem o que comer. Trabalham em serviços pesados, sem nenhuma proteção e ainda são exploradas por patrões e submetidas a trabalho escravo. Eu vi mulheres que andavam quilômetros, levando criança no colo,  para irem, ao lugarejo mais próximo, vender uma única abóbora, uma única melancia. Vi uma mulher que tinha apenas um vestido. Para lavá-lo, ela ficava presa no quarto e o colocava na janela para secar.  Assistem a morte dos filhos, que adoecem  sem terem nenhuma assistência médica. Lá assisti a um episódio que nunca mais esqueci. Uma mulher,  chegou ao lugarejo, depois de andar mais de seis quilômetros, sob um sol escaldante, descalça, levando uma criança, com sintomas de gastroenterite, desidratada e muito fraca. No lugarejo havia um único médico, que era pago pelo Governo do Estado. Chegando ao posto de saúde, que era mal equipado, sem as mínimas condições para atendimento, o médico se negou a atender a criança, ao argumento de que só atendia dez casos por dia e o número já havia se esgotado. Parece mentira, mas não é.  Pensei...como pode, um profissional, pago com o dinheiro do povo, num local onde não há outro médico, não se condoer com esta situação?  Tamanha insensibilidade,  falta de compaixão, de profissionalismo. De tudo. Revoltante. Gostaria de nunca ter visto um indivíduo como este. Nem quis saber o seu nome. Sua atitude eu nunca esqueci. Mas... não parou por aí. Propus pagar a consulta. Ele aceitou. É assim mesmo... o ser humano nunca falha.  E o dinheiro...Ah!  O dinheiro... Vamos voltar às mulheres do sertão. Elas muito me impressionaram. A força, a garra e a coragem que se escondem por trás daquelas aparências frágeis, maltratadas, abandonadas me serviram de lição e despertaram em mim um profundo sentimento de respeito e admiração. Nunca mais me esqueci delas. Elas foram a minha inspiração  quando participei de um concurso promovido pela Academia  Lafaietense  de Letras  e fui escolhida entre os agraciados.  O título da obra foi: MULHERES DA SECA.

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