quinta-feira, 13 de agosto de 2015

MULHERES DA SECA

   



Vocês estão na ordem do dia. Vejo-as em "flashes" de TV. Latas na cabeça... crianças enganchadas nas cadeiras... pés no chão... pernas magras... mãos ressecadas, empunhando vassouras de folhas de palmeira... varrendo um chão de terra, batido pelos pés descalços, que nunca conheceram sapatos. 
Vocês existem. Mas parecem miragem. As pessoas se assustam quando as veem na televisão. No entanto, vocês estão aí o ano inteiro. Durante anos. 
Parece que nas estatísticas que estudam dados relativos à pobreza, à violência, ao analfabetismo, à doença, vocês não são contadas, tal qual na época de Cristo (dizem que no milagre dos pães e dos peixes distribuídos para mais de cinco mil pessoas não foram contadas as mulheres). 
A seca está aí. Como sempre esteve. Nas cenas da caatinga, dos sertões, das roças, dos campos, das choupanas, vocês sempre aparecem. Mas... quando a chuva cai e molha a terra rachada, formando pequenos lagos, de água empoçada, que irão durar algum tempo e saciar-lhes a sede e a de seus filhos, o resto do mundo se esquece de vocês. 
Morrer de fome, aos poucos... assistindo a morte lenta dos filhos desnutridos, não agride tão frontalmente a consciência das pessoas quanto morrer também de sede assim tão abruptamente. 
Bendita água! Como é importante dentro daquela panela de feijão, molhando aquela farinha! 
Mulheres da seca! Vocês são esquecidas. Afinal, vocês não servem como objeto de prazer, de consumo e não vendem produtos... não consomem.
Os seus seios não amamentam a libido de homens ávidos por prazer a baixo custo (esta é a lei do consumo - o melhor, pelo menor preço). Vocês nem sabem o que isto significa. 
Os seus seios amamentam crianças que, se não morrem na infância, irão engrossar o contingente de mão de obra desqualificada e barata das grandes cidades.
As suas pernas servem para caminhar. Atrás do marido, ou sozinhas... pelas estradas poeirentas, para buscar água, galhos secos para cozinhar feijão ou, quem sabe, o botijão de gás no lugarejo mais próximo. O seu trabalho, tão importante! Dele ninguém se lembra.
O seu sorriso não vende nenhum "Sorriso'.
Vocês são esquecidas, ou melhor, escondidas. O mundo não pode conviver com uma realidade tão cruel. 
É preciso estreitar a visão das pessoas... limitá-la aos Shoppings, cheios de luzes, sons... caras e bocas... (hoje até as ruas já não são mais admiradas nem frequentadas, pois nelas não se pode impor a segregação, só possível nos ambientes fechados). Afinal, a rua é pública, Não é assim que todos dizem? E por mais que se tente estabelecer limites espaciais entre a pobreza e a riqueza, a pobreza sempre avança, pois não conhece regras de etiqueta, de comportamento e não tem como se esconder. A pobreza não constrói muros, não tem edifícios, nunca viu lei de condomínio. 
Mulheres da seca! Tudo isso estou dizendo para mostrar porque vocês são escondidas. Não deixo, no entanto, de lembrar que nem sempre são esquecidas. 
Existe um momento em que vocês são contadas. Neste momento, certamente vocês poderão vestir aquele vestido, que está guardado não sei onde, ou lavar este que estão usando, fazer uma trança no cabelo, ou colocar aquele lenço... quem sabe um chinelo, e subir na carroceria de um caminhão, fretado especialmente para transportar vocês para algum lugar. 
Afinal, um dia concederam-lhes o “sagrado” direito de votar.

                                             Maria do Carmo Marinho


  

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