sexta-feira, 28 de agosto de 2015

EM QUE PLANETA ISTO É POSSÍVEL?



Liguei o rádio do carro e, em um programa, estava sendo discutido um texto de Oscar Wilde* que fala sobre os atores. O tema foi escolhido porque naquele dia, 19 de agosto, é comemorado o dia do ator. Eu não sabia. Localizei na internet o texto que  diz assim: “Que sorte têm os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menor propensão...” O tema foi colocado em debate. Uma das participantes disse não concordar com o texto, argumentando que os atores não escolhem seus papéis, mas sim, os autores e diretores . Após defender a sua discordância concluiu com uma destas frases que chamamos de “frases de efeito.” Segundo ela “A DOR É INEVITÁVEL, O SOFRIMENTO OPCIONAL”. O primeiro pensamento que me veio foi: onde será que isto acontece? Em que planeta? Aqui na terra, tenho certeza que não é. O sofrimento é consequência inevitável da dor, seja ela física, moral ou emocional. O  sofrimento acompanha o ser humano desde o seu nascimento. O parto representa um momento de ruptura, de separação, que provoca sofrimento no bebê, sofrimento este que pode até mesmo acarretar traumas que poderão acompanhá-lo por toda a vida. A morte é precedida por sofrimento. O luto é um sofrimento. Enfim, sofrer é uma condição inerente à vida humana e o sofrimento é,  sem dúvida, uma força propulsora de mudança em qualquer pessoa. Poder optar entre sofrer ou não seria a fórmula mágica, senão para a felicidade uma vez que esta não se satisfaz com pouca coisa, para a tranquilidade. Viveríamos tranquilamente sem sofrimento. Que maravilha! Penso que os demais participantes ficaram impactados com tamanha “filosofia” pois  sequer se manifestaram. O debate continuou  e, sobre a dor,  me veio à lembrança uma afirmação feita pelo professor de Medicina Legal, na faculdade de direito. Era um professor meio amalucado, que escolheu certo a profissão que exercia: Médico Legista. Seus pacientes eram os mortos. Dizia ele que os animais não sentem dor e ilustrava a afirmação dizendo que quando alguém mata um porco ele grita, porém os gritos não representam uma dor real... Eu considerava tão absurda aquela teoria se é que era uma teoria , que ignorava o resto da explicação. Ele jamais me convenceria. Como também não me satisfaz a expressão muito usada para consolar alguém num momento de dor: “TUDO PASSA”. Realmente, tudo passa. A felicidade...  a alegria ... a dor também passa. AS MARCAS FICAM... muitas delas nunca se apagam. E sobre a possibilidade de se optar entre sofrer ou não, todos nós gostaríamos de saber :  Em que planeta isto é possível?

                    Maria do Carmo Marinho.


*Oscar Wilde nasceu em Dublin, na Irlanda, em 1854. Foi dramaturgo, poeta e escritor.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

DOR

                                                                     
                                                                           
Sempre que a dor me alcança
E no peito o coração se oprime,
É como se fosse a primeira vez,
Amarga e cruel.
E da vida só vale a ideia
De que o amanhã chegará
E nova chance há de surgir.
A felicidade, ainda que fugaz,
Em outro tempo virá,
Para  a minha felicidade
De agora. 


         Maria do Carmo Marinho

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

PELOS PARQUES DAS ÁGUAS


                            
                               

                  

Você já viajou para estâncias hidrominerais como Poços de Caldas, Caxambu, São Lourenço? Nestas cidades a frequência predominante é de idosos, que vão em busca de tratamento para dores do corpo e para as carências da alma que anseia pelo sossego e tranquilidade que estas cidades oferecem. E um fato sempre me chama a atenção: a quantidade de mulheres da terceira idade, sozinhas. Geralmente chegam em excursões. Quando o ônibus para na porta do hotel, descem carregando suas bolsas e é fácil perceber a alegria de estarem chegando.
Nos parques, por sinal sempre lindos, lá estão elas. Agora, não  em grupos. Cada uma completamente só, carregando na mão um copinho, que adquiriu na loja de “souvenir”, para tomar água que jorra de fontes gasosas, sulfurosas, ferruginosas, cada qual com uma indicação terapêutica  e, não vamos negar, cada uma com um gosto pior do que o da outra. Até hoje não entendo porque nos ensinaram que a água é insípida, incolor e  inodora. Esqueceram-se das águas  ditas minerais. E eu pergunto:  toda água não é mineral? Pelo que sei o universo é composto por três reinos: o animal, o vegetal e o mineral.
Mas... voltando às mulheres, andando sozinhas pelos parques...penso no que cada uma pode estar pensando. Todas, ou quase todas, já tiveram namorados, marido,  têm filhos, netos... no entanto ali estão sozinhas. Por onde andam todos aqueles que passaram por suas vidas? Não é comum homens sozinhos nesses lugares. Aliás, homem quase sempre está acompanhado. Idoso então, geralmente, não viaja só. Não falta mulher disposta a cuidar dos velhos. Talvez seja essa uma característica do feminino... cuidar... da casa, dos filhos, do cachorro, das plantas, do marido, até que outra o leve e passe a ser a sua nova cuidadora e, hoje em  dia, na maioria dos casos,  ela é literalmente “nova”, mesmo.
Quando vejo todas aquelas mulheres sozinhas, penso na frase de Rubem Alves . “A beleza em solidão é triste”. Tenho certeza:  Como elas gostariam de compartilhar com alguém o prazer de ver a beleza daqueles jardins, das fontes, das praças, comentar sobre a criatividade do artesãos sempre a surpreender com suas artes, o sabor das comidas,  o romantismo daquelas músicas com solo de panflutes  tocadas em carrinhos dirigidos por vendedores   que eu chamo  de “chilenos”. Como aquelas músicas combinam com os lugares! No entanto, elas, sozinhas, veem, sentem, experimentam e guardam solitárias cada emoção. São prazeres guardados, não compartilhados. Vendo todas aquelas mulheres penso: Como é bom uma boa companhia numa viagem...Eu disse “BOA”...


                      Maria do Carmo Marinho

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

MULHERES DA SECA

   



Vocês estão na ordem do dia. Vejo-as em "flashes" de TV. Latas na cabeça... crianças enganchadas nas cadeiras... pés no chão... pernas magras... mãos ressecadas, empunhando vassouras de folhas de palmeira... varrendo um chão de terra, batido pelos pés descalços, que nunca conheceram sapatos. 
Vocês existem. Mas parecem miragem. As pessoas se assustam quando as veem na televisão. No entanto, vocês estão aí o ano inteiro. Durante anos. 
Parece que nas estatísticas que estudam dados relativos à pobreza, à violência, ao analfabetismo, à doença, vocês não são contadas, tal qual na época de Cristo (dizem que no milagre dos pães e dos peixes distribuídos para mais de cinco mil pessoas não foram contadas as mulheres). 
A seca está aí. Como sempre esteve. Nas cenas da caatinga, dos sertões, das roças, dos campos, das choupanas, vocês sempre aparecem. Mas... quando a chuva cai e molha a terra rachada, formando pequenos lagos, de água empoçada, que irão durar algum tempo e saciar-lhes a sede e a de seus filhos, o resto do mundo se esquece de vocês. 
Morrer de fome, aos poucos... assistindo a morte lenta dos filhos desnutridos, não agride tão frontalmente a consciência das pessoas quanto morrer também de sede assim tão abruptamente. 
Bendita água! Como é importante dentro daquela panela de feijão, molhando aquela farinha! 
Mulheres da seca! Vocês são esquecidas. Afinal, vocês não servem como objeto de prazer, de consumo e não vendem produtos... não consomem.
Os seus seios não amamentam a libido de homens ávidos por prazer a baixo custo (esta é a lei do consumo - o melhor, pelo menor preço). Vocês nem sabem o que isto significa. 
Os seus seios amamentam crianças que, se não morrem na infância, irão engrossar o contingente de mão de obra desqualificada e barata das grandes cidades.
As suas pernas servem para caminhar. Atrás do marido, ou sozinhas... pelas estradas poeirentas, para buscar água, galhos secos para cozinhar feijão ou, quem sabe, o botijão de gás no lugarejo mais próximo. O seu trabalho, tão importante! Dele ninguém se lembra.
O seu sorriso não vende nenhum "Sorriso'.
Vocês são esquecidas, ou melhor, escondidas. O mundo não pode conviver com uma realidade tão cruel. 
É preciso estreitar a visão das pessoas... limitá-la aos Shoppings, cheios de luzes, sons... caras e bocas... (hoje até as ruas já não são mais admiradas nem frequentadas, pois nelas não se pode impor a segregação, só possível nos ambientes fechados). Afinal, a rua é pública, Não é assim que todos dizem? E por mais que se tente estabelecer limites espaciais entre a pobreza e a riqueza, a pobreza sempre avança, pois não conhece regras de etiqueta, de comportamento e não tem como se esconder. A pobreza não constrói muros, não tem edifícios, nunca viu lei de condomínio. 
Mulheres da seca! Tudo isso estou dizendo para mostrar porque vocês são escondidas. Não deixo, no entanto, de lembrar que nem sempre são esquecidas. 
Existe um momento em que vocês são contadas. Neste momento, certamente vocês poderão vestir aquele vestido, que está guardado não sei onde, ou lavar este que estão usando, fazer uma trança no cabelo, ou colocar aquele lenço... quem sabe um chinelo, e subir na carroceria de um caminhão, fretado especialmente para transportar vocês para algum lugar. 
Afinal, um dia concederam-lhes o “sagrado” direito de votar.

                                             Maria do Carmo Marinho


  

POSSO FALAR?...




Nascer mulher, pobre, num país de terceiro mundo é dose tripla. E se for no nordeste brasileiro, aí é overdose, crucificação. Tive a oportunidade de conhecer , de perto, a realidade do sertão do Piauí e parte do sertão Pernambucano. Ali o sofrimento é geral. Homens,  crianças, animais, vegetação. Tudo. Mas,  as mulheres... estas são de doer o coração. Além de suportarem suas próprias dores, têm que amparar as dores dos filhos, do marido, dos pais, dos irmãos. São elas o esteio onde todos se apoiam. Cuidam da casa (se é que se pode chamar de casa o lugar onde moram), dos filhos, sem terem o que oferecer. Em condições precárias dormem no chão, em redes, esteiras feitas de folhas de palmeira. Passam, muitas vezes, dias, sem terem o que comer. Trabalham em serviços pesados, sem nenhuma proteção e ainda são exploradas por patrões e submetidas a trabalho escravo. Eu vi mulheres que andavam quilômetros, levando criança no colo,  para irem, ao lugarejo mais próximo, vender uma única abóbora, uma única melancia. Vi uma mulher que tinha apenas um vestido. Para lavá-lo, ela ficava presa no quarto e o colocava na janela para secar.  Assistem a morte dos filhos, que adoecem  sem terem nenhuma assistência médica. Lá assisti a um episódio que nunca mais esqueci. Uma mulher,  chegou ao lugarejo, depois de andar mais de seis quilômetros, sob um sol escaldante, descalça, levando uma criança, com sintomas de gastroenterite, desidratada e muito fraca. No lugarejo havia um único médico, que era pago pelo Governo do Estado. Chegando ao posto de saúde, que era mal equipado, sem as mínimas condições para atendimento, o médico se negou a atender a criança, ao argumento de que só atendia dez casos por dia e o número já havia se esgotado. Parece mentira, mas não é.  Pensei...como pode, um profissional, pago com o dinheiro do povo, num local onde não há outro médico, não se condoer com esta situação?  Tamanha insensibilidade,  falta de compaixão, de profissionalismo. De tudo. Revoltante. Gostaria de nunca ter visto um indivíduo como este. Nem quis saber o seu nome. Sua atitude eu nunca esqueci. Mas... não parou por aí. Propus pagar a consulta. Ele aceitou. É assim mesmo... o ser humano nunca falha.  E o dinheiro...Ah!  O dinheiro... Vamos voltar às mulheres do sertão. Elas muito me impressionaram. A força, a garra e a coragem que se escondem por trás daquelas aparências frágeis, maltratadas, abandonadas me serviram de lição e despertaram em mim um profundo sentimento de respeito e admiração. Nunca mais me esqueci delas. Elas foram a minha inspiração  quando participei de um concurso promovido pela Academia  Lafaietense  de Letras  e fui escolhida entre os agraciados.  O título da obra foi: MULHERES DA SECA.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

INTIMIDADE URBANA





Vivo num eterno adolescer!
Contesto, protesto!
Impaciento-me,
Aborreço-me no trânsito.
Sinais que me controlam
PARE! Quando preciso ir.
SIGA! Quando preciso parar.
Aborreço-me nas filas
Tediosas, enormes.
A roubar-me o tempo
Que consumo entre contas,
Taxas, carnês...
Pago pelo ar que respiro,
Poluído.
Pela rua que atravesso
Entre atropelos, atropelados e
Apressados.
Esbarro-me em bolsas
Carregadas, agarradas...
Vazias de dinheiro,
Cheias de obrigações
Vencidas, receitas, remédios, cigarros
A poluir
Os pulmões.
Óculos a combater
A cegueira da visão
Míope, distorcida,
Que não enxerga
As ruas
Cruzadas, abarrotadas
De sonhos,
Perdidos, contidos, retidos,
Porque ...
Sonhar é preciso
“Viver não é preciso”.

Maria do Carmo Marinho

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

IPÊS



Os ipês estão florindo! A cada ano reforçando nas memórias fotográficas a imagem deste show.
Imponentes, ostentam sua beleza, sem concorrentes. Nesta época as demais estão adormecidas pelo estio. O stress hídrico colabora para esta floração magnífica.
De longe fascinam pela sua imponência e colorido. Quanto mais longe, melhor. A visão à distância garante a perfeição. Sólidos flocos coloridos dourando a paisagem parecem passes de mágica. Tão logo aparecem, tão logo desaparecem.
Tão curto tempo para tanta beleza! Talvez seja este o motivo deste fascínio e desta paixão eternos. Nunca se viu um ipê de flores murchas e ressecadas. Não. Elas vão caindo, formam um tapete e vão secando, sem que as pessoas percebam, atentas que estão à última flor em evidência.
Talvez seja este um segredo revelado. Nunca se expor tão perto, por muito tempo.
As flores murcham, secam e, como tudo no mundo, só têm valor enquanto vivas e belas.

Maria do Carmo Marinho

MEMÓRIAS




Alegria na infância era mesmo os rios com suas águas frescas, onde sem roupa podia me banhar. As frutas do pomar e as do mato. 
Os juás, que delícia! Depois das queimadas nasciam em profusão. Enchia latas e me deliciava com suas sementinhas doces. 
Os araticuns... tinha os pequenininhos e os grandes que chamavam "cabeça-de-nego". 
As mangas... sempre amadureciam primeiro as que ficavam no alto. Para atingi-las, só mesmo a pedradas. Disputadas à pontaria, pertenciam a quem as derrubassem. 
As gabirobas... quantas espalhadas pelo mato. Araçás... estas eram raras. 
As jabuticabas... uma a duas vezes por ano faziam a alegria. 
Fascinaram-me desde criança e até hoje continuo encantada pelo seu brilho e sabor. Unidas nos galhos constituem mesmo um "desejo" nunca satisfeito. "DESEJO" é o título de uma foto de um pé de jabuticaba, carregado de frutas, que vi em uma exposição. Título perfeito para a obra do artista e da natureza. 
Os maracujás... que surpresa boa quando doces. Se azedos, não assustavam, pois até mesmo os limões "capetas", que nasciam nos matos, eram saboreados com sal. Assim como as mangas verdes. 
Subir nas árvores era um prazer. Vencer os obstáculos dos galhos, um desafio. 
Os cocos... aqueles que minha avó usava para fazer sabão. Amarelos, debaixo da casca marrom e que lá no fundo guardava uma castanha, só descoberta depois de quebrada, com uma pedra sobre outra pedra. Com ela se fazia um óleo, que servia para fritar bolinhos. 
As noites de lua... nelas havia sempre um mistério a me confundir: - como podia, uma única lua estar em todos os lugares? Nunca fiz essa pergunta a ninguém. 
As pipocas... quem será que descobriu que aqueles grãos de milho, de espigas diferentes, se colocados no fogo, pulavam e explodiam em floquinhos tão gostosos, com sal? Minha avó sempre brincava que as pipocas estouravam melhor se feitas por quem falava mal dos outros. Dizia também que era bom bater na tampa da panela repetindo: "rebenta pipoca e sai siriroca"... "rebenta pipoca e sai siriroca". 
Leite de vaca... com farinha e uma pitada de sal. Para ganhar leite no meio do dia tinha que jurar que não havia chupado laranjas. Havia a crença de que leite com laranja fazia mal. 
Minha avó pensava assim. Isso me faz crer que ela nunca mentiu para sua avó, pois eu tinha a certeza de que a mistura não fazia nenhum mal. Ficava calada, tomava o leite e ela ficava feliz pelo cuidado. Minha avó era uma pessoa tão boa que não merecia ser desagradada. 
Os amendoins... eram caixinhas de surpresa. Gostava daqueles ainda meio verdes... inchadinhos e macios. 
Acreditava que nasciam nas pontas dos galhos. Durante muito tempo observei impaciente, uma plantação de amendoins esperando que as vagens aparecessem. Os pés já estavam grandes e... nada. 
Certa manhã, ao acordar, qual não foi a minha surpresa! Os pés estavam sendo arrancados pelos colhedores e, sobre a terra, as raízes eram as "caixinhas".
Desapontada, nunca esqueci aquele dia. 
Assim como não sabia como nasciam os amendoins, da vida também nada sabia. 
Por isso, o que nunca mais faltou foi... DESAPONTO. 

Maria do Carmo Marinho

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

ENTARDECER DO TEMPO


O que fazer quando o entardecer do tempo começa a cair sobre a vida? 
Cinzentas pinceladas de ocaso cobrindo o verde da esperança. O amarelo da alegria tingindo-se de vermelho dos olhos lagrimados que choram de desencanto. Pelos amores desencontrados, pelas partidas inesperadas, pelas buscas malogradas... 
O lilás, que com sua força protegia a alma dos ventos da desilusão, dando lugar ao roxo das paixões mal vividas, das tristezas escondidas dos sonhos esquecidos. 
As cores do nascente, cedendo lugar às cores do poente. 
A última beleza do fim. Uma beleza melancólica, pois dela há uma certeza: o negror inevitável da noite. 
As cores do nascente têm alegria singular. Pois é certo o sol. Ainda que não apareça, continuará escondido entre nuvens, que por mais poderosas que sejam, são passageiras... não têm consistência. 
Quantas já existiram e, apesar de densas e escuras, não sobreviveram ao impor dos ventos e se dissiparam. 
Nuvens são águas... solidificam, liquefazem e desaparecem no vapor. O sol, não. Esse é eterno e não se deixa vencer. 
Às nuvens, muito se assemelha a vida. 
Por mais forte que pareça é frágil. Não resiste às intempéries da doença, dos sinistros, das amarguras, da desilusão. 
O que fazer quando o poente está próximo? 
Talvez nada. Apenas ficar atento à visão da última cor, que agora é fim, mas que um dia foi começo. 
Na vida, tudo começa e tudo acaba. Não se prenda no tempo que passou. 
Bendiga a vida que se teve e se desta restar mais alegrias... sorria... alegre-se... comemore com todas as cores! 
Se dela restar mais tristezas, não se entristeça. 
Olhe o céu ao entardecer. O crepúsculo é rápido. Num piscar de olhos as cores se misturam... modificam-se... desaparecem. A noite se instala. 
Chega a hora de dormir...

Maria do Carmo Marinho


POR TRÁS DO SILÊNCIO




Tudo na vida tem seu significado. O gesto não praticado, a palavra não pronunciada, a mensagem não dita, o sorriso não desabrochado, a lágrima que não caiu, o amor que não se sentiu, a verdade que se ocultou. 
Tudo. A omissão talvez seja o modo mais enfático de se dizer alguma coisa. O silêncio é forte porque não se pode fixar seu limite. Não tem eco, não ressoa. É um infinito que não se alcança, por mais que se procure. 
Ao contrário do barulho, cuja direção está sempre a indicar com seus ruídos, o silêncio cria uma perplexidade que desnorteia. Sempre a dizer algo não identificável. 
Silencie o mundo e ter-se-á uma população desnorteada, sem rumo, assustada. 
Precisamos nos orientar no tempo e no espaço. Conhecer os caminhos, ouvir os ruídos, interpretar os códigos. 
Através do barulho pode-se saber a direção do trovão, o momento exato em que o raio caiu, se a chuva está caindo lá fora, se existe um cachorro a latir, uma serra a zunir, uma criança a sorrir, um martelo a bater, uma pessoa a gritar. 
É a comunicação através do som. Não se amedronte com o barulho. Ele é explícito, conhecível, identificável, verdadeiro. 
Tema o silêncio, pois ainda que nada se tenha dito nada se tenha ouvido, o mundo não parou... alguma coisa aconteceu... 
O quê? 

Maria do Carmo Marinho