segunda-feira, 21 de março de 2016

REFLEXÃO

REFLEXÃO




Sexta-feira da Paixão. As pessoas enfileiram-se em procissão. Encenações revivem o drama da paixão e morte de Jesus Cristo. Penso... em Deus, no mundo, nas pessoas, nas máscaras, na repressão, na hipocrisia, na alienação.
Vejo as pessoas enfileiradas. Posso até imaginar o que cada uma pede a Deus. Que cure a doença de alguém da família, ou, quem sabe, da família toda; arrume um emprego para algum, ou para todos; ajude a arrumar o dinheiro para pagar o aluguel (pedir casa própria,  não, isto já é exigir muito de Deus ); que não falte comida; que arrume um namorado que tenha dinheiro, que seja trabalhador, que queira casar; que o marido deixe de beber, e veja que aquela mulher por quem se enrabichou não passa de uma “exploradora”.
Madalena canta. Naquele dia fiz REFLEXÃO. Foi um momento que antecedeu a tantos outros, em que me perguntei:
- Será Deus um julgador? São as injustiças sociais desígnios de Deus para salvar os pobres? “Bem-aventurados os pobres de espírito”, “Bem- aventurados os que choram...” Mateus, 5-3,5.
Constitui a religião um meio de contenção das massas? É a religião (não confundir religião com Deus) também um processo de condicionamento? Ah! “Admirável Mundo Novo!” Ficção ou realidade? A razão não está com Aldous Huxley? * “As pessoas mal adaptadas à sua posição tendem a alimentar pensamentos perigosos sobre o sistema social, e a contagiar os outros com seus descontentamentos. Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que o executivo todo-poderoso de chefes políticos e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam a sua servidão (...) O amor à servidão não pode ser instituído senão como fruto de uma profunda revolução social nas mentes e nos corpos humanos (...) a realidade (...) é algo de que as pessoas precisam tirar férias com bastante frequência (...). O problema da felicidade, em outras palavras, o problema de fazer com que as pessoas amem a sua servidão.” **
Acrescento eu:
- Que as pessoas aceitem o sofrimento, a pobreza e outras infelicidades como processos de expiação e obtenção de uma salvação eterna, um paraíso só destinado aos que sofrem.
O culto às fórmulas, aos rituais, a repetição de frases feitas, a adoção de ideias e conceitos preestabelecidos, sem qualquer significado prático na vida de quem os adota, não pode resultar em crescimento.
Vasto é o entendimento de que o crescimento espiritual só se adquire através da leitura da Bíblia, da frequência aos cultos religiosos, da repetição de tradicionais orações. Será correto esse entendimento se a espiritualidade consiste exatamente no desenvolvimento da capacidade de raciocínio, do pensamento consciente?
Acredito que muitas pessoas buscam na religião uma fuga. Ajustam-se, calam-se, submetem-se. Tudo em nome de Deus. Quando, penso eu, deveria representar a religião uma força contra tudo aquilo que a própria crença estabelece como valor social, ético ou moral. Por isto penso:- Aquele que se dispõe a viver segundo as lições de Deus deve, antes de tudo, ser justo, e quem é justo não pode concordar com a injustiça. Deve ser verdadeiro, portanto, não concordar com a mentira; deve ser leal, não concordar com a deslealdade; deve ser puro de sentimentos, não concordar com a promiscuidade; deve acreditar na igualdade das pessoas, portanto não aceitar a discriminação; deve acreditar na liberdade, não concordar com o servilismo e a submissão. Deve acreditar no amor, não concordar que em nome dele, sua individualidade e integridade física e/ ou mental sejam violentadas.
Penso que Deus é demais explorado e pouco respeitado.
Desrespeitamos a Deus quando desenvolvemos a capacidade de enganar ao próximo; quando tolhemos a liberdade do outro; quando castramos e limitamos o crescimento pessoal do outro; quando julgamos e condenamos; quando aceitamos a mentira, a hipocrisia, o desrespeito, e com eles nos pactuamos para a manutenção de um “statu quo”; quando não temos cuidado com a natureza; quando discriminamos o trabalho braçal e consideramos inferiores as pessoas que o executam. Desrespeitamos a Deus, quando em nome Dele, nos calamos diante das injustiças e violências praticadas pelos homens.
 * Romancista e ensaísta inglês, autor de “Brave New World”, (Admirável Mundo Novo).
** Admirável Mundo Novo- Editora Círculo do Livro – p. 12/13.


REFLEXÃO

Século XX...
Erotismo que provoca,
Sufoca... domina.
Ciência avançada...
Tecnologia que dá
A razão das coisas.
Exatas, provadas.
HIPOCRISIA...MÁSCARA
Cobrindo as faces aniquiladas
De quem não quer ser outro Cristo.
LIBERDADE...REBELDIA.
Aspiração latente de quem
Não tem coragem de protestar,
Porque ...
É crime político.
Século XX...
O meu século!
Será que trago
Neste espectro ósseo
O erotismo?...
E dentro desta cabeça
Confusa
A ciência,
A liberdade recalcada?
E a máscara,
Nesta cara, a hipocrisia?
Será que sou
A mesma máquina ambulante
Na mesma escola do pensamento,
Nas mãos dos mesmos maquinistas?
Eu, máquina?
Manejada
Ligada... desligada,
Estragada... consertada,
Desprezada,
Quando não mais utilizada?
Mas... e o Cristo?
Veio de fato?
Veio para me fazer
Um aparelho?
Os homens também
Fazem aparelhos.
Veio para o seu século
Ou também para
O nosso século?
Veio para os antigos gregos e romanos
Ou veio também para os nossos homens?
O Cristo...
Nasci num mundo de palavras.
Custa-me a acreditar que Ele veio.
Não consigo vê-lo no cinismo,
No gosto pela humilhação.
O Cristo permanece,
Numa caricatura
Deformada... torta.
Madalena não o reconheceria.
O Cristo... Ele veio? Abala-me a fé.
O que me levaria a crer
Se aqueles que o fazem
Se empenham na guerra,
No ódio?
Se todos vivem
Como máquinas engrenadas
Na fábrica comercial
Do mundo?

                                         Maria do Carmo Marinho

*Reflexão foi escrito quando eu  tinha 19 anos .


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