Chego em casa. Descrente, revoltada. Nas veias ferve-me o
sangue. Custa-me controlar o impulso de jogar tudo para o alto. De qualquer
jeito. Abro a gaveta. E quem eu encontro? Você. Numa fotografia. Olhos
fechados, barba crescida, cabelos desgrenhados. Os cantos da boca para baixo.
Imensamente triste. Não gosto de vê-lo assim. Não combina. Você que veio para
redimir, para ensinar o amor, o perdão e a justiça, não pode ser assim. Gosto
de vê-lo de outra forma. Como você realmente foi. Alto astral, bonito, alegre.
Nem mesmo a superficialidade e a mediocridade dos homens teriam a força
suficiente para apagar o seu sorriso ou contaminar a sua alegria. Não se pode
entristecer quem se sabe justo, verdadeiro e capaz de amar com o amor que amou
aos homens que, sabia, não eram merecedores. Egoístas, incompreensivos,
orgulhosos, superficiais. Você, na sua infinita sabedoria, amou-os exatamente
por acreditar que quanto menor a criatura de mais amor ela precisa. Por ser
assim sei que você nunca foi triste. Esta cara não combina com você como não
combina comigo a cara que estou agora. Sou partícula no universo dos homens.
Toda a minha capacidade de amar não chega nunca a nível comparável ao seu. Sou
hipersensível. Fico magoada mesmo quando sei que as pessoas são pequenas e
imperfeitas. Aí está uma das minhas imperfeições. Peço-lhe que perdoe àqueles
que pintaram você com esta cara, como perdoou àqueles que o mandaram para a
cruz. Do mesmo modo que o crucificaram porque não sabiam o que faziam, assim o
retrataram porque também não o conheciam.
Maria do Carmo Marinho
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